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Lacan desde o Começo?

Estudos sobre O Seminário Livro 1: Os Escritos Técnicos de Freud.

Lacan, desde o começo? Não, claro que não. Em 1953, o ensino de Lacan deixa seu apartamento e se estabelece na Clínica de Doenças Mentais do Hospital Sainte-Anne, onde profere “Os Escritos Técnicos de Freud”, que é seu primeiro seminário público (?) e estenografado. Público? Claro que não da mesma forma como passou a ser em 1964 na Escola de Altos Estudos, onde o auditório da universidade privilegiava o universo de diferentes estruturas do desejo de psicanálise. O de 1953 aconteceu em um auditório da ala feminina da clínica, em meio a tensões históricas que incluíam as divisões no grupo de psicanalistas franceses, e o estabelecimento da Sociedade Francesa de Psicanálise, da qual Lacan era o diretor de ensino¹ ².


Cercado pelo ambiente de saúde mental, no qual médicos psiquiatras e residentes, como outras figuras de diversas áreas como a filosofia e as artes, que eram atraídas por Lacan, temos também de nos perguntar o que é seu ensino. Pois, o estilo de proferir as lições, ou de escrever, já são suficientemente famosos e dispensam comentários. Mas, a mim soa muito cômico imaginar aquela sala de aula lotada dessas figuras, e Lacan levando um panelão de fundo polido para reproduzir a experiência de Bouasse, dizendo a eles: “Agora, vá lá para a parede da sala e olhe no fundo do panelão”, “veja o ângulo”. Então, essas figuras são capturadas por uma brincadeira de buquês, vasos e reflexos para pensar sobre a ilusão do eu, tradução do conceito de narcisismo de Freud. O profundo é como o simbólico há de intermediar a relação do real com o imaginário.


Nos anos anteriores, Lacan e um pequeno grupo, geralmente apontado como 10, dedicou-se à leitura dos cinco grandes casos de Freud. Mas, Lacan já era um autor em psicanálise há tempos. Todo esse pregresso serve de contexto erudito ao seu seminário, que dura até 1980. Sobre o primeiro, dito público, de seu ensino, as aulas vão de 18 de novembro de 1953 a sete de julho de 1954. Lacan se concentra nos “Escritos Técnicos de Freud”. Oi? Freud? Quais textos de Freud mesmo? Naquela coleção que reúne um grupo daqueles publicados entre 1904 e 1919? Não, não mesmo. A lista de textos citados de Freud perpassa a imensidão de sua obra. Ao lado de Freud, são citados artigos publicados da época de diversos autores, além dos grandes nomes: Ferenczi (com quem Lacan concorda sobre o analisante – o sujeito em análise não é passivo); Klein, “que entende das coisas”; Anna Freud (essa não é muito elogiada); Bion (homenzarrão de respeito), Balint (que serviu de fundamentos ao meu doutorado). Lacan também cita uma lista de filósofos.


Se fôssemos pensar em uma concentração, poderíamos dizer que, sobre Freud, Lacan se ocupa dos textos éticos, metapsicológicos, de manejo, e dos casos clínicos. Com uma leitura brilhante, mostrando que, como psicanálise, teoria e clínica são espectros da mesma essência — Freud não tinha teoria, foi a cada caso que ele escreveu a psicanálise que nos teoriza. Talvez esse seja o coração. Por isso, distanciar-se de Freud não fará bem à psicanálise. Quanto menos preceder do simbólico para o imaginário do Ego. As coisas, em psicanálise, são lá do inconsciente — é para onde Lacan fala.


Bem, as perguntas não cessam para entender o que Lacan quis dizer com “Os Escritos Técnicos de Freud”. São diversos escritos, diversos autores de psicanálise ou não; é assim que se lê, é preciso implicar-se na leitura (a frase já é conhecida). Lacan viu, reviu e corrigiu várias vezes seus seminários. Na sua forma oficial, há uma divisão tópica para as lições: resistência, imaginário, além da psicologia, impasses com Balint, e transferência. Talvez um esboço interessante para ajudar nossa provocação em 10 aulas que visam o centro do seminário e os aprofundamentos, conforme a necessidade dos interessados no texto se imponha.


Seja como for, convido vocês para esse esforço no qual me lanço. Depois de anos ensinando os textos de Freud, e me dedicando a ler Lacan e a escutar meus grandes mestres do seu ensino, inauguro uma nova fase: oferecer Lacan àqueles que me acompanham na transmissão da psicanálise, e isso desde esse começo. Se o projeto pegar, pegou. Vamos até onde der.


Prof. Gabriel Lavorato Neto

Psicanalista, doutor em Ensino em Saúde.

Membro da Associação Livre de Campinas.

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