Trinta e quatro séculos de Complexo de Édipo
Texto apresentado originalmente no Café Lacaniano, Livraria da Vila, Shopping Galleria, Campinas, no dia 25 de outubro de 2014
O autor discorre sobre as origens desse conceito ao longo da história.
Quando se fala de Complexo de Édipo, pensamos logo em Freud. Mas não foi ele quem inventou esta história. Para a Psicanálise, no rastro de vasta e longa tradição religiosa, mitológica, literária, cultural e artística, o conceito implica mesmo numa complexidade de eventos psíquicos, inconscientes, que incluem várias formas de relação incestuosa, no contexto do que Freud chamou de Romances familiares (Freud, 1976 a, pag. 239), além de amores, ódios, abandonos, ciúmes, invejas, superproteções, parricídios, matricídios, filicídios e fratricídios imaginários ou reais. Quando teve início este teatro de tragédias, cheio de mal-estares ?
Século XIII a. C. - A Bíblia
Pelo pouco que sabemos, os primeiros relatos encontram-se na Bíblia, e nos levam a perguntar: Deus teve Complexo de Édipo? Como ele não teve pai nem mãe, não pôde amar esta e nem matar aquele. Então, seu complexo de Édipo foi só parcial, porque condenou à morte todos os seus filhos humanos, sem exceção. Com outros filhos angelicais, a atitude foi diferente: alguns preferidos, os anjos bonzinhos, foram livres do sofrimento e da morte; alguns outros, rebeldes, foram condenados ao inferno, sem nem chance de morrer. Os maiores complexos divinos, contudo, foram de grandeza e onipotência. Assim, Ele preparou o caminho, cá na terra, para os Édipos de todos os tempos.
Criado o casal inaugural da Humanidade, como as demais criações, Deus achou tudo ‘muito bom’. Adão, que não teve mãe, funcionou como mãe (e pai) para Eva, tendo-a gerado de uma costela. Assim, os dois já viveram incestuosamente. Seus filhos tiveram casamentos incestuosos também, entre irmãos, única alternativa, naquela conjuntura. E praticaram o primeiro fratricídio da história, de Caim sobre Abel. Mas estes não foram os únicos incestos e homicídios narrados na Bíblia.
A Mitologia
Os mitos encarnam fenômenos fundamentais da vida: o amor, a morte, o tempo, a vida dos deuses, os hábitos sociais e religiosos de cada povo. E encontramos neles as descrições de incestos, parricídios, filicídios etc. Fazendo uma viagem no tempo, vamos nos limitar ao deus do Tempo, Cronos (Saturno). A respeito dele, lemos (Mitologia, 1973, vol. I, pág. 29):
Saturno uniu-se a sua irmã, Cibele, e nela engendrou uma multiplicidade de filhos. Entretanto, como a Terra afirmasse que um de seus descendentes haveria de subjugá-lo e tomar-lhe o trono, tal como ele próprio fizera com seu pai, Saturno devorava os filhos, mal acabavam de nascer.
O pintor espanhol Goya imortalizou esta devoração, em uma de suas mais famosas e impressionantes telas. Freud, por sua vez, falando dos sonhos sobre a morte de pessoas queridas (Freud, 1972, pág. 272), assegura:
Mal ousamos observar que a maior parte da humanidade desobedece ao Quinto Mandamento. {...} As informações obscuras que nos são trazidas pela mitologia e pelas lendas das eras primitivas da sociedade humana fornecem um retrato desagradável do poder despótico do pai e da crueldade com que ele o usava. Cronos devorou seus filhos, assim como o javali devora os filhotes da javalina; ao passo que Zeus castrou o pai e fez-se rei em seu lugar.
Século IX, a. C. – Homero
Homero (850 a. C.), poeta épico grego, tido como padrão ético e estético para todos os poetas gregos e latinos, foi o inspirador da Eneida, de Virgílio, d’A Divina Comédia, de Dante, dos Lusíadas, de Camões e até de poetas do século XX. Depois de longas viagens de conquista bélica e saques pela terra, incluída a famosa batalha de Troia, narradas na Ilíada, o personagem Ulisses aventura-se a conhecer ‘os mares nunca dantes navegados’, numa expedição rumo ao desconhecido, cheia de perigos e monstros, narrada na Odisseia, uma história do homem à busca de si mesmo. Na segunda parte de sua narrativa, Ulisses desembarca na terra dos Cimérios, na entrada do mundo subterrâneo, e vai visitar vários mortos ilustres. Dá uma atenção especial à mãe de Édipo, chamada ali de Epicasta. A cena é descrita, na Odisseia, Rapsódia XI, como segue (Homero, 1978, pág. 105):
Vi a mãe de Édipo, a bela Epicasta, a qual, em sua ignorância, praticou um crime horroroso: casou-se com seu filho. Este, depois de ter assassinado o pai, tornou-se o marido de sua mãe. Não tardou, porém, que os deuses revelassem o crime aos homens. Ele, Édipo, continuava reinando, na amável Tebas, sobre os filhos de Cadmo, não obstante os males cruéis que sofreu por determinação dos deuses. A rainha, essa baixou à morada de Hades, de portas solidamente fechadas, depois de, no paroxismo da dor, ter atado um laço a uma elevada trave de seu palácio, deixando em herança a seu filho os inúmeros tormentos que as Erínias de uma mãe são capazes de suscitar.
Século V a. C. – Sófocles
O mito de Édipo foi retomado por muitos outros autores. Freud escolheu a versão apresentada pelo poeta grego Sófocles (496 a. C.), para amarrar o destino do homem, nesta história que nos comove ainda hoje, apesar de já conhecermos todos os seus detalhes.
Num comovente diálogo entre mãe-esposa e filho-marido, este, preocupado e temeroso com a possível descoberta da verdade sobre si mesmo, diz (Sófocles, 1970, pág.119):
- Édipo: Mas... não deverei recear o leito de minha mãe?
-Jocasta: O mais acertado é abandonar-se ao destino. A ideia de que profanarás o leito de tua mãe te aflige; mas tem havido quem tal faça em sonhos... O único meio de conseguir tranquilidade de espírito consiste em não dar importância a tais temores.
Descoberta a trama, Édipo lamenta constrangido (idem, pág. 138):
Ó Citeron, por que me recolheste? Por que, quando me deste abrigo, não me tiraste a vida? {...} Porque hoje sou um criminoso, e descendente de criminosos, todo o mundo o sabe! Ó tríplice encruzilhada! Vale sombrio, bosques de carvalhos, vós que absorvestes o sangue que era meu, - o sangue de meu pai! – que eu próprio derramei, {...} Ó funesto himeneu, a que devo a vida, e que me facultou germinar pela segunda vez a mesma semente; por que mostraste um dia um pai irmão de seus filhos, filhos irmãos de seu pai, e uma esposa que era também mãe de seu marido!? Quanta torpeza pôde ocorrer entre criaturas humanas!
Em outra versão, pouco creditada (Brandão, 1997, pág. 238), Laio teria se casado com uma primeira esposa chamada Euricleia, a mãe de Édipo. Jocasta seria a madrasta, num segundo casamento de Laio. E a exposição do bebê Édipo na floresta seria um rito para exclusão de crianças deformadas, consideradas uma maldição para a comunidade (idem, pág. 239).
Século I a. C. – Ovídio
Exímio representante dos poetas latinos, Publius Ovidius Nazo (43 a. C.) deixou-nos a preciosidade, entre outras, da Arte de amar e As Metamorfoses, sendo este o mais longo poema da literatura latina antiga, em que descreve a criação do mundo, o nascimento dos deuses, dos homens, dos gigantes, o dilúvio, os amores, os crimes, as guerras, as viagens de Ulisses narradas na Ilíada, enfim, uma história universal. Apesar de tanta exuberância, Ovídio foi totalmente reticente com relação à história do Édipo, à qual dedicou um único verso lacônico, o que nos sugere pensar que esta história era por demais conhecida, não exigindo maiores explicações.
Assim, diz ele (Ovide, 2011, pág. 727, verso 429):
Que és tu, Tebas de Édipo, senão uma lenda? (tradução própria).
Em compensação, a história de Narciso é descrita muito detalhadamente por Ovídio. Na Psicanálise, a fase do narcisismo faz parte do Complexo de Édipo, o momento da relação incestuosa. Na mitologia, a ninfa Liríope foi possuída violentamente pelo deus Cefiso, e engravidou de um filho, fruto de um amor indesejado que entristeceu sua vida. Mas recuperou a alegria quando viu a beleza de Narciso, objeto de desejo das ninfas. E consultou o adivinho Tirésias, para saber se Narciso teria vida longa. A resposta foi (idem, pág. 127, versos 348 a 350):
Se ele não se conhecer. O oráculo pareceu vago, por muito tempo, mas foi provado pelos fatos, por sua morte, por sua inusitada loucura (tradução própria).
A previsão foi enigmática, como sempre. O verbo conhecer, mesmo no original latino, significa também ter relações sexuais, e relação implica a alteridade, a presença do outro, este outro, objeto do desejo, indispensável para a aquisição da consciência de si. Então, a resposta poderia ser: “terá longa vida se ele deixar de amar (conhecer) só a si mesmo, se ele deixar de ser narcisista, e passar pela castração edipiana, em que se adquire a subjetividade, marcada pela falta, e pela presença do desejo do outro”. A prova é que a ninfa Eco não desistia de seduzir Narciso, mas ele não correspondia (idem, pág.131, versos 389 a 391):
Ela quer abraçar este pescoço tão esperado, mas Narciso foge aos gritos: deixa-me. Cem vezes melhor morrer do que te pertencer (tradução própria).
A morte, em questão, é a morte do desejo, que pode ser acompanhada pela morte biológica.
Século XVI – Shakespeare
William Shakespeare (1564-1616), ator, dramaturgo e poeta inglês, fez fortuna no teatro. Não é casual que o texto de Hamlet tenha sido escrito logo após a morte de seu pai. Além disso, Shakespeare perdera um filho precocemente, chamado Hamlet. Esta foi a história que ele contou poeticamente, imprimindo em seus textos um forte caráter popular, em que os assassinatos, violações, incestos, parricídio e traições faziam o terror e a diversão do público. Freud comentou várias peças dele, destacando a história de Hamlet, o Rei da Dinamarca, que foi assassinado pelo próprio irmão, Cláudio, que se casou, logo em seguida, com a viúva Gertrudes. O fantasma do pai aparecia toda meia-noite, pedindo vingança ao filho, Príncipe da Dinamarca, Hamlet também.
Eis algumas citações do poeta, numa fala do filho Hamlet, referindo-se à mãe (Shakespeare, 2002, pág.18):
Fragilidade, teu nome é mulher! {...} Uma fera, a quem falta o sentido da razão, teria chorado um pouco mais – ela casou com meu tio, o irmão de meu pai {...} antes de um mês! {...} que pressa infame, correr assim, com tal sofreguidão, ao leito incestuoso!
No mesmo tom, o fantasma do pai acusa o irmão Cláudio (idem, pág. 31):
Sim, essa besta incestuosa e adúltera, com seu engenho maligno e dádivas de traição – Maldito engenho e dádivas malditas por seu poder de sedução! – descobriu, para sua lascívia incontrolável, a volúpia da minha rainha tão virtuosa – em aparência.
Marcelo, um oficial, faz a revelação (idem, pág, 30): Há algo de podre no Estado da Dinamarca. E o mesmo impropério proferido por Édipo, no texto de Sófocles, é repetido aqui por Hamlet (idem, pág, 65): {...} talvez fosse melhor minha mãe não me ter dado à luz. E Hamlet resume tudo no profundo conflito em que está afundado (idem, pág. 63): Ser ou não ser – eis a questão.
Esta frase enigmática, quase uma piada, pode ser interpretada como: Ser vingador, ou não ser vingador. Em qualquer hipótese, matando o tio ou desobedecendo ao pai, seria uma tragédia. Se a consciência e a ordem do pai exigiam vingança, o imperativo inconsciente não desejava que isto se concretizasse, já que Hamlet procrastinava satisfazer o pedido paterno, porque o tio realizava justamente aquilo que era o desejo do sobrinho, de possuir o leito da mãe.
Século XIX – Dostoiévski
O maior escritor russo de seu tempo foi Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski (1821-1881). Nasceu em Moscou, de família aristocrática que perdeu a fortuna. Teve uma infância sofrida, devido ao temperamento despótico do pai, médico de um sanatório para pobres, e devido à triste passividade da mãe. Aos dezoito anos, Dostoiévski ficou traumatizado com a morte do pai, assassinado por seus servos camponeses. Sente-se culpado por isso, e escreve dramas históricos, com personagens tirânicos como o pai e mulheres infelizes como a mãe. Era epiléptico, e retratou perfeitamente a alma do povo russo, sendo chamado de “o escritor da Rússia”.
Dedicando-se à política, envolveu-se em um complô para assassinar Nicolau I, Imperador da Rússia, sendo condenado a trabalhos forçados na Sibéria.
Um de seus melhores romances, autobiográfico e psicanalítico, conta a história d’Os irmãos Karamázov. Tudo gira em torno do pai, também chamado de Fiódor, que teve três filhos legítimos, Mítia, Ivã e Aliócha, abandonados pelo pai, e mais um filho natural, Smiérdiakov, também epiléptico, que vive como empregado doméstico na família.
O pai dos Karamázov era chamado de vil, corrompido, doidivanas, boêmio, bêbado, debochado, parasita e desonesto. Nos dois casamentos que teve, abandonou as esposas, roubando-lhes os dotes e vivendo como um rico que não trabalha, gastando com mulheres e jogatina. Um dos pontos altos da história é quando o pai e o filho Mítia disputam a mesma amante Grúchenhka.
Neste contexto, os quatro filhos odeiam o pai e juram matá-lo. O crime acontece em circunstâncias obscuras e confusas, em que as pistas apontam para Mítia e Smiérdiakov. Ambos negam a autoria, atribuindo-a um ao outro. No dia anterior ao julgamento, Smiérdiakov se suicida, e Mítia tenta fugir, deixando uma carta em que confessa o crime. Mas alega que estava embriagado quando escreveu a carta. E constava também que Smiérdiakov tivera uma crise epiléptica no momento do crime. O leitor fica perdido e confuso no meio de tantas pistas e argumentações. Mas o juiz condenou Mítia, e este alegou que o verdadeiro culpado era o pai, que induziu os filhos a uma revolta parricida. A pena de Mítia foi a deportação para a Sibéria.
Alguns trechos do interrogatório (Dostoiévski, 2013, pág. 609):
{...} o senhor não gostava do falecido Fiódor Pávlovitch, estava em permanente desavença com ele... parece que o senhor se permitiu dizer que até quis matá-lo: “Não matei – exclamou o senhor - , mas quis matá-lo”.
- Eu exclamei isso? Oh, é possível, senhores! Sim, infelizmente eu quis matá-lo, muitas vezes quis, infelizmente, infelizmente! {...} Ora, eu não escondia meus sentimentos, toda a cidade sabe disso {...} Naquele mesmo dia, à noite, espanquei e por pouco não matei meu pai, e jurei que voltaria lá e o mataria, isso diante de testemunhas {...} eu compreendo que neste caso há provas terríveis contra mim: eu disse a todo mundo que o mataria, e de repente o mataram: neste caso, como não teria sido eu?
Esta história repete a do próprio Édipo, que foi rejeitado pelos pais e, posteriormente, tornou-se parricida. Pouco importa se não ficou definido quem foi o mandante ou o executor do crime aqui, porque o simples desejo de matar, que habitava os irmãos, já caracteriza o parricídio.
Século XX – S. Freud
No Dicionário de Psicanálise (Roudinesco, 1998, pág. 166), assim está definido o Complexo de Édipo:
O complexo de Édipo é a representação inconsciente pela qual se exprime o desejo sexual ou amoroso da criança pelo genitor do sexo oposto e sua hostilidade para com o genitor do mesmo sexo.
Sigmund Freud (1856-1939), esquematizou a teoria do Complexo de Édipo, conceito central na psicanálise, baseado em muitos autores além dos já citados aqui.
A respeito da primeira referência feita acima à Bíblia, o mestre de Viena (Freud, 1974a, pág. 34) argumenta que, após a sensação de desamparo na infância, e a posterior constatação da falta de defesa contra as forças da natureza, aliada à decepção quanto à potência do pai, o ser humano cria um pai mais forte, na figura de Deus onipotente. Surgem, assim, as religiões.
Com relação a Homero, Freud cita-o em nove de seus livros. A cena da Odisseia, com os fantasmas do mundo inferior, onde Ulisses visita Jocasta (Freud, 1972, pág. 264 e 588), encontra-se nos dois volumes da Interpretação de sonhos.
Já Ovídio é citado diretamente uma única vez, a respeito dos sonhos (Freud, 1976b, pág. 257). Mas Freud retoma a afirmação de Ovídio, citada acima, que já considerava, naquela época, a história do Édipo, como uma lenda (Freud, 1972, pág. 277):
Essa descoberta é confirmada por uma lenda da antiguidade clássica, que chegou até nós: uma lenda cujo poder profundo e universal de comover somente pode ser compreendido se a hipótese que apresentei no tocante à psicologia das crianças tiver validade igualmente universal. O que tenho em mente é a lenda do Rei Édipo.
De Shakespeare, Freud citou várias peças, com destaque especial para o Hamlet (idem, pág. 280):
Outra das grandes criações da poesia trágica, O Hamlet de Shakespeare, tem suas raízes no mesmo solo que Oedipus Rex.
A diferença de dois milênios entre estas duas peças, ainda segundo Freud, pode explicar-se pelo fato de que, em Sófocles, o desejo incestuoso e o parricídio são realizados concretamente, enquanto que, em Hamlet, são contidos, porque a repressão foi se tornando mais forte.
Lacan também comenta detalhadamente o texto do Hamlet, e faz o seguinte comentário (Lacan, 1986, pág. 81):
{...} o próprio Freud chama a atenção sobre o que é, no fim das contas, o enigma do Édipo. Não se trata simplesmente de que o sujeito haja querido, desejado o assassinato do pai, a violentação da mãe, mas de que isto esteja no inconsciente.
Em Dostoiévski, Freud (Freud, 1974c, pág, 210 s.) destaca que suas crises epilépticas se agravaram, aos dezoito anos, logo após a morte do pai, e constituíam uma autopunição por um desejo de morte do pai odiado. E acrescenta outro comentário (idem, pág. 217):
Dificilmente pode dever-se ao acaso que três das obras-primas da literatura de todos os tempos – Édipo-Rei, de Sófocles; Hamlet, de Shakespeare; e Os irmãos Karamázov, de Dostoiévski – tratem todas do mesmo assunto, o parricídio. Em todas três, ademais, o motivo para a ação, a rivalidade sexual por uma mulher, é posto a nu.
Em Sófocles, A responsabilidade vem de fora, dos oráculos. Édipo não sabia de nada, e pagou caro.
Em Shakespeare, a responsabilidade também é de outro, o tio. Hamlet sabia de tudo, e não tinha pago por isso.
Em Dostoiévski, a responsabilidade é atribuída à epilepsia, no caso de Smérdiakov; à embriaguês, no caso de Dimitri; ou à própria vítima, Fiódor, o esbanjador.
Nelson Rodrigues
No Brasil, encontramos a mesma referência aos crimes edipianos. Nosso maior dramaturgo, Nelson Rodrigues (1912-1980), aos 13 anos, lera o livro Crime e castigo, de Dostoiévski. Nos textos revolucionários de Nelson, o incesto está sempre presente. Só na peça Os sete gatinhos (Ruy Castro, 2010, pág. 287), o pai comete incesto com suas cinco filhas.
Foi ele que escreveu, em 1963, a primeira novela para a televisão brasileira: “A morta sem espelho”, com adultérios e sutil incesto. A censura só permitiu a exibição bem tarde da noite (idem, pág. 341).
No futuro, muito provavelmente, Nelson Rodrigues será citado na mesma lista dos clássicos destes trinta e quatro séculos.
Século XXI - Novelas brasileiras
Há um tema recorrente em nossas novelas televisivas: quem é a mãe, quem é o pai? Se há vários pais, é porque nenhum assume a função materna ou paterna. Novo abandono? E o Édipo não sai da pauta.
Conclusão: o Complexo de Édipo não é doença nem anomalia. Ele pertence à constituição mesma do ser humano, impondo a lei que funda a subjetividade e organizando a sociedade e a cultura. Se o sujeito se recusa ou não consegue submeter-se a ele, poderão surgir consequências psíquicas mais ou menos danosas.
Bibliografia
-Brandão, Junito de Souza, Mitologia Grega, Vozes, Petrópolis, 1997.
-Castro, Ruy. O anjo pornográfico, Companhia das Letras, São Paulo, 2010.
-Dostoiévski, Fiódor. Os irmãos Karamázov, Editora 34, São Paulo, 2013.
-Freud, S. A Interpretação de sonhos, O.C., E.S.B., Vol. IV e V, Imago, Rio de Janeiro, 1972.
-Freud, S. O futuro de uma ilusão, O.C., E.S.B., vol. XXI, Imago, Rio de Janeiro, 1974a.
-Freud, S. Sobre o Narcisismo: uma introdução. O.C. E.S.B., Imago, Rio de Janeiro, 1974b.
-Freud, S. Dostoiévski e o parricídio, O.C., E.S.B., Imago, Rio de Janeiro, 1974c.
-Freud, S. Romances Familiares, O. C., E.S.B., vol. IX, Imago, Rio de Janeiro, 1976a.
-Freud, S. Conferência XIV, O. C., E.S.B., vol. XV, Imago, Rio de Janeiro, 1976b.
-Homero. Odisseia, Abril Cultural, São Paulo, 1978.
-Lacan, J. Hamlet por Lacan, Escuta/Liubliu, Campinas, 1986.
-Mitologia. Abril Cultural, São Paulo, 1973.
-Ovide. Les Métamorphoses, Les Belles Lettres, Paris, 2011.
-Roudinesco, Elisabeth. Dicionário de psicanálise, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1998.
-Shakespeare, William. Hamlet, L&PM Pocket, Porto Alegre, 2002.
-Sófocles. Rei Édipo, Tecnoprint Gráfica Editora, Clássicos de Ouro, Rio de Janeiro, 1970.
Geraldino Alves Ferreira Netto
(Texto apresentado originalmente no Café Lacaniano, Livraria da Vila, Shopping Galleria, Campinas, no dia 25 de outubro de 2014)
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